terça-feira, maio 16, 2006

Duro de Matar em 24Hs

céus, deveriam fazer um filme disso...

dois bêbados e um lago


Como sempre, acordei com uma dor de cabeça absurda, parecia que havia apanhado, dores por todo o corpo, tudo bem até aí, mas então senti um cheiro que não era o do meu próprio suor, era um cheiro de água suja misturado com mato. Abri um olho e vi num canto do quarto a minha calça jeans com barro com um tom meio esverdeado que depois percebi que eram algas, pensei que fosse uma calça camuflada que tinha, mas não, definitivamente era a calça jeans que eu havia usado na noite anterior. Fechei os olhos pois a dor era insuportável e tateei a garrafa de um litro d’água que deixo do lado cama, estava vazia. Tentei me recompor e lembrar o que eu teria feito na noite anterior, foi então, que em flashbacks, lentamente fui me lembrando o porquê da minha calça estar naquele estado...
Já era umas onze horas da noite quando o meu telefone tocou.
- Como vai a minha puta? – disse a voz no outro lado.
- Terminando o “serviço” na tua mãe.
- Hahaha! Tu não teria pau para isso...
- Ok, você venceu. Mas me diga Paulo, que pasa?
- Seguinte cara, meu irmão descolou uma festa universitária em um salão no centro de estatística hoje, topas?
- Vai ter cerveja?
- Claro, e dizem que vai ser barata.
- Ok, em dez minutos estou chegando aí.
Este meu amigo, o Paulo, era uma figura amistosa. Poderia beber um copo de cerveja ou um engradado, mas o resultado era sempre o mesmo: ótimas estórias para se contar aos amigos. Na época ele morava a duas quadras da minha casa, dividia um apartamento de um dormitório com o irmão. O irmão dele trabalhava em uma funerária e nos proporcionava boas risadas contando os acontecimentos dentro da empresa.
Chegando na casa dos dois, encontrei o que se deve encontrar em toda casa de dois homens solteiros: pilhas e pilhas de latas de cerveja vazias no chão, uma caixa de pizza (não me arrisquei em abrí-la para verificar se existia “algo” dentro) e algumas revistas de putaria espalhadas pelo chão.
- Como vai cara? Pronto para a noite então? – disse Lucio, o irmão do Paulo.
- Veremos...
- Cadê o teu irmão? – perguntei.
- Tá no banheiro.
- Vai uma cerveja? – por isso sempre gostei do Lucio.
- Sempre!
Abri a lata e notei alguns “corpos estranhos” na borda, mas me lembrei do célebre ditado: “o que não mata, fortalece”, continuei a beber a cerveja. Alguns minutos depois saiu Paulo do banheiro com uma toalha enrolada na cintura, junto com ele um cheiro nada agradável da qual não preciso explicar a procedência.
- Cara... que cheiro horrível! – reclamou Lucio.
- Ok irmãozinho, a próxima vez bebo um vidro de perfume antes de entrar no banheiro.
Ri abertamente (não costumo fazer isso). Paulo me comprimentou com a sua maneira característica. Logo após fui na geladeira e abri outra cerveja, já era de casa. Os dois estavam prontos, seguimos andando até a parada, mas para o lado contrário da festa, haveria um aquecimento em outro lugar. O destino? Um lugar chamado Bar João.
O “João” como era chamado pelos seus freqüentadores, era um bar amistoso: havia sido freqüentado por imigrantes judeus na década de 70 que passavam tardes jogando dominó. De 80 em diante o quadro mudou, e como o bairro virou lugar da moda, diversas tribos começaram a freqüentá-lo, principalmente headbangers e posers. Então veio a decadência e haviam traficantes vendendo todo o tipo de droga na frente do bar, o tráfico era descarado: montes de vendedores oferecendo de tudo abertamente:
- Ô sangue, vai uma maconha ae?
- Não não, valeu. – nós dizíamos.
Então quase chegando no bar nos abordava outro:
- Ae “brow”! Vai uma coca? É da boa.
- Não não, valeu.
Pensei diversas vezes em fazer uma camiseta escrita: “Não não, valeu!”, garanto que pouparia muita saliva e venderia bastante também, bom, talvez não tanto quanto o produto dos "amigos" acima descritos.
Mas o público do bar não mudava, seguia tendo shows e vendendo a especialidade da casa: cachaça. Céus, havia cachaça de todos os tipos naquele lugar: pimenta, funcho, hortelã, chocolate, cobra, até de Teletubie! Eu olhava para aquelas estantes cheias de potes com aqueles líquidos de diversas cores e fica curioso de que gosto teria aquela de siri, a de tijolo ou talvez aquela que tinha um ferro de construção dentro do pote, mas como preferia ficar só com a curiosidade, pedi uma de mel (que era a especialidade da casa). Tomamos algumas doses do néctar ouvindo uma boa música da banda que se apresentava e seguimos nossa peregrinação rumo à próxima festa.
Conforme Lucio havia dito, a cerveja estava realmente muito barata, então chegamos ao balcão e nos informaram que devíamos comprar o maldito ticket em uma cabine na rua (que eu não havia visto), eis a nossa surpresa: uma fila enorme (desde pequeno tenho um problema com filas, sou extremamente ansioso e situações assim multiplicam este sentimento), porém o “agravante” foi encontrar uma fila composta em sua maioria por homens! Maldição! Pior que estar alinhado um a um à espera de algo mútuo, é este aglomerado de pessoas ser em sua totalidade pessoas do mesmo sexo, nunca entendi como os viados podem gostar de seres grotescos como nós, mas isto não vem ao caso agora. Neste momento tive uma luz: a menina do caixa era uma antiga conhecida minha e chamei Paulo e Lucio, peguei uma quantia razóavel em dinheiro com eles e comprei tickets suficientes para nos “abastecer” por um longo tempo. Talvez esta tenha sido a perdição da noite, pois o único esforço que fazíamos era esticar o braço para a menina do balcão para pegar a cerveja. Ficamos “trabalhando” neste método algumas boas horas até que acabaram-se os dito-cujos (senão me engano, cada um havia comprado uns oito daqueles). Entreguei o resto da grana que me sobrara e entreguei para o Lucio comprar mais alguns “bilhetinhos para o paraíso” e Paulo fez o mesmo, nisto fui tirar uma “água do joelho”. Voltando para o abençoado balcão, vi um cara entrar correndo no bar e se esconder na cozinha, como eu já estava meio alto, não dei muita importância e segui o caminho que faltava até o Paulo (parecia que faltavam quilômetros, mas não deveria passar de uns quatro metros) e me recostei na minha posição inicial, eis que sinto uma mão em meu ombro e ouço um sussuro:
- Cara, me ajuda...
Era Lucio.
- Porra! Que susto! A próxima tu vai sorrir pela bunda cara...
- Tô precisando da tua ajuda, é sério!
- Meus tickets primeiro.
- Tá falando sério?
- “Amigos amigos, negócios à parte”.
- Certo, toma aqui, agora pode me ouvir?
- Ainda não, poderia me dar licença – empurrei ele.
- Baby, poderia me ver uma cerveja bem gelada?
Estava morna, isso queria dizer que já estava com cara de acabado.
- ME OUVE AGORA CARA!
- Agora sim, pode dizer.
- Tá vendo aquela baranga de cinza com laranja?
- Qual? Aquela que parece um bujão de gás?
Ele riu.
- Sim, esta mesma.
- Se eu não visse um elefante daquele tamanho eu estaria cego, o que tem ela? Quer que eu mate? – eu tenho o péssimo hábito de responder perguntas com outras perguntas.
- Não, não. Ela é uma das melhores amigas da minha namorada.
- Uhum.
- A Marcia não sabe que eu estou aqui hoje.
- E... – adoro encaixar esta palavra quando precisam de mim.
- E que se esta vadia descobrir que eu estou aqui hoje, tô fodido.
- A vadia é a Marcia ou o botijão de gás?
- O botijão de gás...
- Ok, e onde eu entro nessa estória?
- Tu agarra o bujão, leva ela para aquele canto ali, distrai-a, e eu fujo para a casa.
- Nem fodendo, por quê o Paulo não faz isso?
- Porque ele não tá conseguindo nem falar.
Realmente, olhei para o lado e o Paulo estava vesgo e com um filete de baba saindo pelo canto da boca. Percebi que não haveria chance e disse:
- Que pena, vocês dois juntos faziam um casal tão bonito... – tentando me lirvar do encargo.
- O quê??? Tu não vai me ajudar???
- Claro que não! Olha o tamanho daquele treco!
- Te pago dois Jack Daniel’s!
- Feito! Mas busca agora, antes que eu perca a coragem.
O tempo em que ele foi buscar as doses me pareceram uma eternidade e como eu não estava com controle total sobre os meus atos, resolvi dar uma volta pela festa. Passados alguns foras e um tapa continuei a vagar e para a minha surpresa encontro a menina do caixa de novo.
- O botijão de gás que exploda. – pensei comigo mesmo e ri(segunda vez na noite).
Os acontecimentos que se seguiram ficaram meio embaçados em minha mente, e neste exato instante percebi que a dor de cabeça não passara, então constatei o inevitável: deveria me levantar pegar mais água, já que parecia que eu havia engolido um cabo de guarda-chuva. Quando me levantei, tudo girou e me estatelei no chão. Pensei ter morrido, tamanho era o gosto horrível na minha boca, só poderia ser o enxofre do próprio diabo. Depois de algumas tentativas sem sucesso de tentar me levantar, decidi que o chão era a opção mais racional (naquele momento) e fiquei ali, respirei fundo e me concentrei em tentar esclarecer o mistério da calça “camuflada”, já que não sairia daquela posição por um bom tempo. Mais alguns flashbacks tive uma vaga lembrança do que me aconteceu nas próximas horas.
- Cara! Vamo embora! A gorda tá irada! – gritava o Paulo (pela cara de pavor parecia que ele havia estado sóbrio a noite inteira).
Tentava entender o que ele dizia mas no estado que me encontrava só entendia um bla-bla-bla. Lembro de uma multidão correndo para fora do salão e lá dentro só havia duas pessoas: Lucio e o botijão (para a minha sorte nunca soube o nome dela). Provavelmente ele estava sendo espancado, pois não vejo outra explicação para uma mulher daquele tamanho estar agarrando um cara pelo colarinho e batendo a cabeça dele no balcão do bar.
As pessoas continuavam a correr desesperadas, realmente, aquele rinoceronte de cem quilos espancando um homem de um metro e sessenta era assustador e desigual, fiquei atônito com aquilo. Quando me dei por conta, vi Paulo me puxando pelo braço e eu correndo junto com ele para fora da festa, mal eu sabia que a pior parte estaria por vir.
- Merda! Esqueci o meu irmão lá!
- Foda-se, eu não volto para aquele inferno nem morto.
- E mais uma coisa... – eu disse
- O quê? – perguntou Paulo.
- O botijão ainda está dentro da festa.
- Que botijão?
- Esquece... é uma longa estória.
- Tá, e o que vamos fazer?
- O teu irmão tem a chave de casa, não tem?
- Tem, por quê?
- Porque eu acho que ele é bem grandinho e deve saber voltar para a casa.
- Isso é verdade... Merda!
- De novo?
- Não, agora que eu me lembrei: não tenho dinheiro para o táxi.
Comecei a andar(ou me arrastar, não lembro bem).
- Cara! Aonde tu vai?
- É um longo caminho a se trilhar. – eu disse.
Começamos a jornada de volta, sem um tostão furado no bolso, um grande peso na consciência (mais pesado até que o botijão), pés que não obedeciam os meus comandos e faziam insistentemente eu perder o equilíbrio.
- Por quê aquele monstro estava batendo no Lucio? – perguntou Paulo.
- É uma longa estória...
- Pode contar, é uma longa caminhada.
Fiz um esforço enorme para organizar as palavras naquela hora (tanto quanto estou fazendo agora para me lembrar o que eu disse em seguida) e comecei a contar sobre o primeiro acontecimento bizarro que eu presenciei, digo, vivenciei naquela noite. Como caminhávamos em um passo bem arrastado, decidimos atalhar pelo parque.
O “Parque da Redenção” como o chamam, é gigantesco com muitas opções de lazer e freqüentado pelo pior tipo de gente à noite, não tínhamos este problema: já estava dia e podia-se ver alguns casais de idosos passeando no local. Era Julho, um vento cortante e diziam que seria o dia mais frio do ano, comprovamos esta previsão depois. Havia vários lagos espalhados pelo parque, um em especial, o lago do Buda, possuía pedras dentro que se pisasse nelas poderia atravessá-lo ou ficar parado no meio do mesmo. Eis que Paulo tem a brilhante idéia:
- Ei cara! Vamos pular as pedrinhas!
- Não fode, vamos embora que eu estou morrendo de frio. – eu disse com o resto de razão que o álcool ainda não havia consumido.
- Vai ser legal! Atravessamos as pedrinhas e vamos embora.
- Por quê tu não dá a volta pelo lago, é mais simples, porra!
- Porque pular pedrinhas é muito divertido.
Naquela momento cedi, sem pensar nas consequências e prever o óbvio. Agora vamos analisar a situação bizarra em que eu me encontrava: vi um amigo meu apanhar de um ogro fêmea, bebi o suficiente para não lembrar nem meu nome e agora tinha um cara me convidando para pular as pedras dum lago em pleno domingo de manhã! Acho que uma cena dessas nem Dalí conseguiria imaginar.
- Alguém me ajuda! Socorro! – gritava alguém, era Paulo.
Quando me dei conta do que estava acontecendo, entrei em pânico. Esqueci de mencionar que a água deste lago era coberta por plantas aquáticas que ficavam flutuando, o que dava um efeito de uma grama uniforme e com esse conceito ao primeiro passo que dei, cai de cara na água. O infeliz continuava gritando desesperado então comecei a caminhar dentro do lago até onde ele estava, e foi neste momento que percebi: a profundidade da água batia na minha cintura.
- Tu vai morrer afogado seu filho da puta, porque eu não vou te ajudar! – eu disse.
- Por favor! Eu vou morreeer! – gritava Paulo.
- Vai morrer porque é burro! Não tá vendo que o lago não chega nem no teu umbigo?
Neste instante ele se acalmou ficou de pé no lago, veio em minha direção e disse:
- Obrigado cara! Tu salvou minha vida! – e me deu um abraço.
- Tá, agora vamos sair desse lago nojento que estamos parecendo uns gremlins...
Saímos do lago cambaleando pois o álcool ainda fluía vertentemente em nosso sangue.
- Vamos fazer assim: atravessamos o parque e entramos na casa do meu pai que é ali do lado do “João”, tomamos um banho e depois vamos para casa.
- Ok, mas vamos tirar estes verdes antes... – eu disse, sem ter noção do que isto acarretaria.
As cenas que se seguiram foram tão surreais que eu duvidaria até hoje se eu não houvesse visto com os meus próprios olhos. Caminhamos em direção ao chafariz central do parque e começamos a nos banhar e tirar as folhas verdes dos cabelos e da roupa. Nadávamos enquanto os casais passavam a passo largo amedrontados, talvez achando que éramos dois loucos que haviam escapado de um hospício.
O estado em que Paulo e eu nos encontrávamos era deplorável: molhados de cima a baixo, com as roupas sujas de lodo do fundo da fonte, e com galhos de plantas aquáticas por todo o lado. Saimos do lago tremendo dos pés à cabeça (mesmo estando bêbados o frio era descomunal) e comecei a caminhar em direção à casa do pai de Paulo. Para a minha surpresa, o infeliz começa a andar no sentido contrário (em direção à Avenida João Pessoa), então perguntei:
- Cara, a casa do teu pai não era do lado do “João”?
- Sim, estou indo para lá.
- Como assim? O “João” é ali! Olha o Araújo Viana! - apontei em direção ao auditório.
O Araújo Viana é um auditório musical construído numa extremidade do parque e em frente ao Bar João. Tenho más recordações daquele lugar, tendo em vista que desmaiei em show de rock após ter explodido uma garrafa de cerveja na minha cabeça vinda do além (nunca descobri a procedência da mesma).
- Olha só, eu morei onze anos aqui, tu acha que eu não saberia aonde é a casa do meu pai? – se achando injustiçado pelo fato de eu duvidar dele.
- Tudo bem, acredito em você, mas ficarei te esperando sentado aqui.
Ele não respondeu e seguiu na direção oposta. Passaram-se uns quinze minutos e vejo Paulo voltando com a cabeça baixa.
- Eu tô bêbado...
- Eu sei, eu também, mas pelo menos ainda consigo me localizar.
E fomos finalmente à casa do pai dele. Comecei então a travar uma das maiores batalhas da minha vida: tentar tirar minha roupa molhada bêbado e de pé.
- Impossível - pensei comigo.
Após a primeira tentativa, perdi o equilíbrio e fui ao chão, comecei a me debater como um peixe que foi tirado da água (belo exemplo da degradação humana), fiquei lutando com minha roupa por um bom tempo até conseguir me livrar dela. O resultado foi catastrófico, o banheiro parecia uma instalação representando um brejo. Após os dois terem tomado um banho para tirar o odor terrível, chamamos um táxi e fomos para casa.
Essa foi uma das estórias mais patéticas que eu já vivi, até hoje, obviamente, pois nunca sabemos o dia de amanhã nem as merdas que iremos fazer, de toda esta jornada só há uma coisa que me deixa plenamente satisfeito: eu não beijei o botijão. E agora com licença que eu vou tomar uns dois litros d’água.